sábado, 26 de novembro de 2011

Inquirições

O segredo da resposta está na pergunta que se faz.
Sofre o que busca resposta sem nem sequer expressar a pergunta que irá deflagrá-la

O exercício de perguntar é quase uma arte que poucos desenvolvem...
A razão: medo do que irá receber de resposta

Parece simples buscar respostas
O mesmo não pode ser dito às questões que irão suscitá-las.

Sutil e sibilina ao mesmo tempo uma pergunta pode significar
a diferença entre um "felizes para sempre" e um quadro sorumbático eterno;
um amargor que mesmo tendo suturas emocionais, ainda perdurará perturbado pela pergunta.

Assim, o grande cuidado da busca de si mesmo
está na habilidade em formular a questão.

O receio da resposta as vezes distancia o curioso da pergunta acertada
e este passa parte da vida exercitando a interrogação errada.

Não há o que se preocupar; é quase uma máxima...
Ninguém quer de verdade saber a resposta...
É uma fábula que habita o inconsciente coletivo.

Quando buscamos o significado das nossas "próprias coisas"
o que normalmente achamos é um pouco de nós mesmos....
E nem sempre o que vemos nos é agradável aos olhos.

Neste sentido permanecemos insistindo em errar no questionamento
e seguimos com as vendas nos olhos, alheios ao que realmente somos.

O convite provocador que sempre fica no ar
é o seguinte:
Qual é sua pergunta? Você já fez ela hoje?

Inquirições!?

domingo, 13 de novembro de 2011

Menestrel

Abre as portas, do meu rancho aurora
Fui ouvir lá fora a manhã gritar
Vem serenata
Que é chegada a hora
De partir ligeiro
Para o amor cantar

"Brisa ponteava
Cordas sublimes
De uma viola
Toda ao amanhecer"

Montei no potro
Sonho douradio
Campeando ansioso
Querenças de amor

Cavalguei nos raios
Olhei luz do Sol
A rédeas soltas
Procurando ter:
Braços alados e as mãos pensantes
Todo andança, só para ter ver.

Semeei sorrisos
Para um fiangre largo
Na moxi lavados
Perdido de amores
Nem mais de meio, meio caminho andado
Briguei com as horas pro tempo correr

" E eu ja posso agora, ser Simão ou Pedro; senão da Silva
Pois agora, agora vou sorrir"

Vou ser a chuva atirada do céu
Ou ser o dono da rosa abriu
Num jardim azul
De uma poesia
Em braços de seda
E beijos de mel

Vou dar agora
Versos a menina
Morena viola
Vou ser menestrel.

Angelo Antonio (canta em "Ovelha Negra" novela dos anos setenta/oitenta)
Simplesmente maravilhosa a poesia

domingo, 2 de outubro de 2011

O Elefante

" Com as desculpas ao grande escritor Drumond de Andrade, ousei fazer também o meu Elefante"

Faço um Elefante.
De pedaços de coisas, caixotes, madeira velha;
De restos de sentimentos, desejos.
Uso algodão e restos de panos e bandagem e esparadrapos.
Monte de pregos, sarrafos.

Seus fortes pés de cimento; carcaça forte de meu viver.
As pernas com madeira velha, como velhos são meus sonhos.
O corpo rijo de emoções contidas faço de caixotes e pregos
para fotalecer meu corpo de madeiras fracas, de sentimentos volúveis.

Preencho meu corpo - caixotes - de algodão, lágrimas
Sensíveis de meu interior sempre ferido.
Cubro o corpo com bandagem e cerco-a com esparadrapo
como fechadas são minhas ações.
Dos restos de panos, construo a trombra,
Desigual e amorfa como meu ser interior se sente.

Feito meu Elefante, falta a cauda, por onde me seguram, me privam
E por isto, meu Elefante fica sem cauda;
Por que ele vai sem censura, titubeante, mas seguro por si, se não, de si.

Pronto, meu Elefante sai e com ele me vou;
Minhas emoções, meus objetivos, minhas afeições, meus medos;
Atravessa nas praças cambaleante, sem direção definida
Sem passos certos, sem horizontes concretos.

Eu e meu Elefante - nos passos, semelhantes - no objetivo, congruentes;
Mas na vida, diferentes; no viver inseguro deste Elefante.

E então, meu Elefante no final da tarde, volta.
Depois de ter mostrado sua forma amorfa, seu corpo balofo e desleixado,
sua personalidade indefinida, seu peso rastejante pelas suas composições
se esfacelando a cada tombo;
A cada passo mal dado, a cada comida mal ingerida, de um pensamento mal formulado.
E aí, caindo a tarde ele vem em passos pesados, cabeça baixa,
sem estrutura, sem elegância, mas meu Elefante volta
Derrotado, porém sempre para dentro de si, por si mesmo.

E entrando a noite, peça por peça desmonto meu Elefante
E ai me vou destruindo no íntimo numa carência insustentável.
E minha cauda se foi para sempre com o meu Elefante
Sua trombra, seu corpo, seu trejeito
Meu Elefante...

Agosto de 1987

domingo, 7 de agosto de 2011

Espera

O corpo singra de forma desordenada
Indo de um canto a outro da imaginação.
O mesmo se repete sem consciência da percepção no foco material,
Mas isto não quer dizer nada!

Não se dá conta do tempo
E quando o que se espera está perto
Parece uma eternidade a aproximação...
Angústia e um misto de desejo inunda a mente perturbada.

O estímulo e a busca se confundem e
mostra o caminho a seguir.
A educação; aquela que insiste em tornar tudo mais difícil nestes casos
Fazem o principio da angústia aumentarem à medida que o desejo aumenta.

As horas tripudiam sobre o pensamento
E dobram ininterruptamente a vontade
Daquele que deseja....
E o peso do cansaço arqueia o corpo que desvanece.....em sonhos!

Corpo inerte, absorvido no lusco-fusco
da inconsciência, não percebe a distância entre
o desejo e a consequência...
Até que o despertar se apressa a chegar...

Mas não vem só.
Acompanha-o o motivo da angústia.

E como se fosse a próxima cena do sonho...
Impulsiona-o o desejo à excitação matutina.
Descrever o que vem a seguir seria pecar contra a poesia,
atacá-la sem piedade em sua crueza e doçura.

Mas o que pode se dizer
É que o corpo que sofrera
Não mais teme a ansiedade e o murmúrio da dor entre as vísceras...
Agora aconchega-se a direita no motivo da angústia e mais uma vez se entrega ao cansaço.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Troços e traças.

Dia destes me peguei mexendo em coisas velhas!
Todas traziam um que de mofo, bolor ou mesmo de poeira.
Estava em meu sótão pessoal.
Nele esconde-se todas as mazelas de minh'alma
todas as tristezas de uma vida inteira;
todas as maledicenças que um dia pensei;
todas as frustrações que senti e experimentei;
todos os insucessos que vivenciei;
todos os foras que levei;
todas os amores que perdi.

Como não pude deixar de notar
ali estava todo o peso que levo em minha bagagem.
Pesada e densa como a vida deveria ser;
arqueada e desorganizada como qualquer quarto de despejo.

Mas não desanimei. Peça por peça
fui remexendo em tudo. Rinite a parte, o que sentia em cada objeto era indizível!
Cada pedaço, cada coisa que tocava tinha significado;
Cada espaço que revirava, trazia à lembrança intensidade e deleite;
mesmo que tenha sido de sofrimento, porque pertencera a mim.

Demorei horas como sempre um faxina tem que ser;
Mas de certo não terminei.
Porque mexer em troços e traças drena energia,
desvanece, emsimesmece, e por vezes entristece.

Desci do sótão.
Lembrei que além dele, havia meu porão...
Uma onda de temor rompeu meu devaneio...

Se no sótão descrobri troços e traças.....



29 de junho de 2011 - 22h29m
Guilherme Dias

sábado, 11 de junho de 2011

Devaneios de outono.

Dia destes me peguei fugindo!
Nem sabia para onde, mas parecia ser o certo a fazer.
Corpo parado, mente a quilômetros de onde ele estava.
Como é maravilhoso o imaginário!

Não fui longe, mas o bastante para não me ver mais;
para não conseguir me seguir até lá...
Onde, nem mesmo sabia;
mas preferi não imaginar onde seria, para não seguir-me.

O lugar para onde fui não é possível descrever...
Revelaria-me muito intensamente e intimamente...
Mesmo se fosse com poucos detalhes...
Seria descoberto por aqueles que também foge!

Durou pouco a fuga.
Tempo suficiente para investigar um pouco mais do meu eu;
Explorar as possibilidades de meus sentimentos;
Aproveitar um pouco mais de mim mesmo!

As imagens e situações singravam com tanta velocidade
que só imaginando, para vê-las, entendê-las;
Somente sendo parte deste todo que sou eu e de repente do nada:
Abri os olhos!

Guilherme Dias
11 de junho de 2011 - 21h09 (uma noite fria de outono, toca na cabeça e o pensamento regado, creiam a música de balada.rsss)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Rosa

Ponta de facão.
Luz de prata nos olhos: medo.
Assim é o desprazer. Quando aprende o manejo do corte,
Menino, aprende a se defender.

Arraia, a praia, o gozo.
A vida, o sopro, o sorriso.
A frase, o gesto.

Quando o menino aprende, ele vive.
Vai menino, que teu medo acabou;
Busca no meio do céu, a pipa, a alegria
Que a vida roubou.

Guilherme Dias -
1992

sábado, 28 de maio de 2011

Devaneios numa tarde qualquer de verão.

Cai a tarde.
Os olhos semicerrados revelam o peso
Que preenche duramente a linha do tempo.

Pálpebras pesadas então,
O corpo deixa-se adormecer languidamente.
Um último suspiro faz o anúncio.

O que parecia ser algo duradouro
Acaba-se como num átmo.
Num sobressalto de rigidez, a luz volta intensa às retinas cansadas.

E assim, corpo e pensamento
Permanecem singrando entre
O dia e a noite interior.

Mas, o que é rígido, é rígido.
E corpo, e pensamento enganam
A linha do tempo. Até quando?

E margeiam a vida e a labuta
Que incessantemente os provoca
Tal qual a morte faz à vida.

Um som surdo alerta:
O coração bate até o último suspiro
E ardor das manhãs anunciadas pelo inimigo vil: o tempo.

Guilherme Dias

13/10/2007.

domingo, 22 de maio de 2011

Círculos de criança.

Círculos povoam o olhar da criança
Uma dança quase voluptuosa enche-lhe
E extasia-lhe por dentro e por fora.

Oferece-lhe, a vida, um rico banquete.
Regado a alegrias simples de uma tarde agradável;

Dum sonho alimentado em conversas
Ora realistas demais, superegóicas;
Ora Id otas demais!

Mas a criança não se importou muito.
Com o pai posto à sua frente
E sem pudor, sem um pingo de censura, refestelou-se.

Sorriu a sorrisos largos,
Suspirou longamente e por fim,
Deixou-se levar pela doce preguiça vespertina.

Mas a criança já tem olhos de adulto,
Ares de adulto e pior,
A cela particular que todo adulto constrói em volta de si.

Desperta da preguiça serena
E olha os outros círculos que povoam o seu olhar;
E uma lágrima triste molha o seu rosto.


Guilherme Dias

13/07/2007

sábado, 21 de maio de 2011

Presunção

Hoje pude ver por outros olhos o que outros olhos não puderam ver.
Porque nem todos os olhos vêem o que os meus e os olhos dos outros vêem!

Hoje pude sentir através de outros sentimentos;
O que outros corações não puderam sentir.
Porque nem todos os corações sentem o que o meu coração e o coração dos outros sentem.

Por isto só uma lágrima rolou do meu olho esquerdo.

Por isto apenas uma vez minha garganta embargou com um laço forte.

Por isto meu peito apertou só um pouco, mas o bastante para senti-lo.

Por isto, meus olhos e meu coração se envolveram e assim ficaram pelo tempo suficiente para eu ver e sentir o que os outros não verão e não sentirão.

Por isto, somente isto e só desta vez, presumo que seja único...

Só desta vez.

Guilherme Dias

13/10/2007

sábado, 14 de maio de 2011

Pequena Descoberta

Fui convidado a salvar o mundo.
Aí me perguntei: o mundo?
Mas é muito grande o mundo; eu tão pequeno!

Fui então convidado a salvar as pessoas.
Como? São tantas!
Mal as conheço, mal sei quem salvar.

Chamaram-me a salvar as matas, florestas.
Embora se extinguindo ainda são imensas
Diante de minha pequenez.

Tomaram-me então como um possível salvador das águas.
Só de imaginar o mar,
Asfixiou-me a idéia.

Então me coloquei a olhar a minha volta.
Eram tantos que necessitavam.
Tantos olhares pedindo por ajuda que me perdi em cada um deles.

Então finalmente olhei para dentro de mim.
Encontrei a quem salvar.
É um bom começo.

Guilherme Dias
13/10/2007

sexta-feira, 6 de maio de 2011

"Curtas"

Boca


Por aqui entra
Por aqui sai.
É a que diz o sonho
E a que elogia e molesta.
É o caminho da verdade,
Porém com vertigem a altura que esta promove...
                                                                               (Guilherme, 08/03/1990)

Ouvido


As más e boas coisas
Por aqui passam.
O barulho do mundo e
A imensidão do silencio interior.
                                                    (Guilherme, 08/03/1990)

Olho


É aqui a porta de
Entrada e saída
Do mundo interno.
É a porta mágica que
Controla a emoção do belo e do feio.
É a revelação do segredo.
                                         (Guilherme, 08/03/1990)

Coração


Misto de vida e
Prenúncio de morte.
Quem o tem, teme por si.
Reúne o mundo, a muralha
E o sonho.
Reúne o amor.
                        (Guilherme, 08/03/1990)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Faltando um pedaço.

Um gesto completo...
            Uma boca, um beijo.
            Um roçar de sonhos entre outros sonhos.
            Um som mudo com a mão atrevida.


Uma palavra completa...
            O som gutural do infinito desejo.
            O apelo do útero mundo.
            O sobejo de paixão hilariante.

Um olhar completo...
            D’alma cálida no embrião amor.
            Do sonho súbito surgido das mil e uma noites.
            Do suspiro ambíguo; dor e amor.

Um toque completo...
            Com a mão arquetípica.
            Com o sublime afeto.
            Com o amor repleto.

Um cheiro completo...
            De sangue fervente na lava interna.
            Do furor das feras antigas.
            Do gozo insano que pulsa ardente.

Um amor completo...
            De prazer.
            De gozo.
            De carinho.
                                   De......

S. Guilherme Dias

09/02/1990

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O que busco em voce.

Um ser acordou meio sonâmbulo e tateando ainda no lusco-fusco do amanhecer se dirige ao banheiro....era a idade pressionando a bexiga para liberar a angústia do dia anterior...

Ao abrir a porta, luz ainda apagada, o que se podia ver era uma imagem pouco definida no espelho diante da porta. Um misto de susto e constatação explodiu nas entranhas daquele ser que aturdido ainda procurava sair do estado de torpor que o sono profundo causa nas pessoas que sabem como dormir...

A imagem permaneceu no interior da sua mente por todo o dia. O reflexo pouco definido de sua imagem ficava indo e vindo como se fosse uma mensagem subliminar, necessitando de uma resposta, de um entendimento.

Parecia assim ser um símbolo, um signo em busca de um significado. Que seria, que significaria, que ilustraria aquela imagem que mais parecia um arremedo do mito da caverna. Quem de fato estaria ali, naquela sombra que embora racionalmente traduziria sua projeção num mero espelho, trazia uma saraivada de indagações e inquirições?

O dia passou, as horas se alongaram e a imagem refletida no espelho foi a companheira inseparável de todo aquele percurso. Não bastasse a imagem insistente, havia ainda o barulho que fazia o martelo na consciência; haveria alguem ali do outro lado?

Seria a imagem refletida a realidade e o refletido o sonho, a imaginação tal Alice no pais dos espelhos? Loucura ou não quem já não imaginou algo deste tipo? A que se desculpar, afinal era o período matutino mais perturbador para quem prefere o silêncio e a tranquilidade da noite.

Mas o fato é que espelho e reflexo invadiram o imaginário do ser despertado na madrugada e o fez refletir : o que busco em você?

Esta resposta viria com o mergulho no próprio reflexo do "EU". Assim todos os dias aprendida a lição, ao fazer o rito diário matutino, o ser encara o espelho e tenta buscar sua  resposta.... será que um dia ela virá?

Só olhando!!!

Guilherme Dias
20/04/2011

Menina

Ah! Menina.
Tu tens a pétala da esperança presa em seus ramos superiores;
O perfume da vida a invadir-te o ser na plenitude do agora.

Menina,
Teus olhos neste momento são os meus olhos a refletirem os raios dos sentimentos.
Uma onda deles.

E saber menina,
Que pode ser esta noite;
Esta, que tu sucumbirás em braços alheios ao teu conhecimento,
A teu conhecimento interno.

Tua pele será a minha e a minha a tua;
Confundindo-se menina,
A uma colisão de ar e ar;
Nada a se encontrar ou tudo a se encontrar.

Ah! Menina.
Se tu soubesses da minha gula,
Fugiria aos braços protetores dos seios maternos
E não deixaria os teus à mostra para meu lúgubre prazer.

Menina,
É chegada a hora em que sentirás o calor deste fogo
De paixão e gritarás com um coro mudo e sufocado.
Sentirás menina,
O que eu sinto no momento em que te olho e que tu me olhas,
Penetrando-nos até o limiar da alma
Num súbito pesquisar de emoções.

Estarás então se entregando
E eu entregando-me e entregando-te o suspiro do ser,
A sôfrega espera da escalada,
Menina.

Ah! Menina.
Pode ser hoje o momento em que sucumbirás em meus braços
E eu no teu, num suspiro eterno e mútuo,
Anunciando que já não é mais...
                                                                                  Menina...

Guilherme Dias

14/05/1986.

sábado, 9 de abril de 2011

Breves recordações de um sol perdido

Vinde fosco raio de luz
Invade com sua fluorescência
A ignóbil e extravagante
Teia de pensamentos
Incrustados nesse cérebro.
Irradia seu calor luminoso
Por entre as entranhas
Dessa estonteante mente.
Transforme a reserva
De ar espalhado nesse salão
Em uma densa neblina
Que invade todo o universo.
Infiltre-se nesse emaranhado
De destroços e planos inacabados
E torne a movimentar essa
Máquina pensante.
Destrua os profetas
Supérfluos e banais
E reconstrua essa
Mirabolante imaginação.
Erre e acerte
Até alcançar a perfeição
Buscando o infinito
Inconsciente.
Ignore os pequenos fatos
Mas não os esqueça,
Arquive-os no porão
Desse calabouço pensante e doentio.
Estabilize e equilibre
Os atos,
Grandes e pequenos
Não os deixando escapar
Ao fatal controle.
Esquematize os ataques,
Planeje,
Elabore,
Porque a guerra é árdua.
Junte os mortos num recipiente,
Jogue o restante em cadeiras de rodas,
Em muletas
E queime os destroços.
Recolha as riquezas,
Guarde-as em cofre forte
E afunde-as no mais fundo dos buracos.
Estremeça as estruturas ósseas
Dos grandes monstros sagrados
E os evacuem pelos esgotos da vida.
Transpire pelos seus poros
As almas impuras dos
Mundos abissais.
Obscureça as normas
Dessa música mal regenciada
Por um péssimo maestro:
O mundo.
Desvaneça sobre a terra,
Deslumbre sob o céu;
Morra incansavelmente
Nesse inexorável solo fértil.
És corpo imenso
Que vagueia
Pelos cantos insertos
Do universo.
Somos de ti
Peregrinos
E aprendizes
Pela tua glória e ascensão.
Nós nos reduziríamos
A pó
Por necessidade,
Pela tua plenitude astral.
Tu és começo, meio
E fim
Do centro de tudo,
De todos,
Do uno.
És onipotente
Onipresente
E único
A ser uno com várias formas.
És um fato
E em conseqüência disto
És sua própria conseqüência.

Tudo isso se resume como
Uma carta
De um provável futuro “Caminha”
A um provável futuro “D. João”
Anunciando a descoberto
De uma terra desconhecida
Num universo desconhecido
Com pessoas desconhecidas e diferentes
Que se desconhecem entre si;
Com pensamentos também desconhecidos
E contrastantes entre si,
Em uma ligação frequencial
De forma, espaço e tempo;
Com formas diferentes e inalditas,
Bizarras em sua personificação,
Centralizada por uma planificação
Desconexa e amorfa.

Será anunciado como Ramseés, faraó.
Será anunciado como David, pregador.
Será anunciado como Papa, pontífice.
Será anunciado como Judas, traidor.
Finalmente será anunciado
Por cornetas,
Por astros,
Por intenções e palavras, é só seu espírito
Virá pairar sobre o novo mundo
Como o início de um novo e
Infinito fim.

E a teia de pensamentos
Voltará a se refugiar
Nesse cérebro até
O dia em que as sombras
Invadam e tudo se separe
E a fluorescência desse fosco raio de luz
Se evada na imensidão universal...

“Apagaram a luz no horizonte”

Eu não subi o morro
Porque não o vi.
Não pude avistar nada de lá de cima,
Pois nem na sua base cheguei.
É difícil desejar e não conseguir.
Não senti o vento no rosto;
Apenas o do vale de onde não saí.
Conheço as armas e sinto que as uso.
Conheço o campo de batalha e no
Entanto parece que desaprendi a guerrear.
Meu elmo, escudo e armadura desapareceram...
...E eu permaneço aqui no vale perguntando:
Por quê?
Por que?
              (Guilherme, 22/06/1989)

sábado, 26 de março de 2011

Devaneio vespertino

Era um fim de tarde como qualquer outro.
Os pássaros cantavam desatinadamente em  busca de seus ninhos;
Carros passavam podendo ser ouvidos claramente, até atrapalhando o silêncio oferecido ao momento.

Nada parecia se mexer além disto.
O ar estático, árvores imóveis denunciando o prelúdio vespertino.
Quando uma brisa suave cortou a sensação bucólica e trouxe a realidade de volta aos sentidos.

Como às vezes parece ser melhor a negação do tempo,
a ignorância dos fatos,
o distanciamento do espaço no entorno.

Mas o círculo irrefutável da vida sempre é implacável;
Não deixa margem para a fuga e querendo ou não somos obrigados a olhar para dentro de nós....
e nem sempre queremos isto?!

E como é impossível evitar o inevitável,
refutar o irrefutável...
É ativada a máquina de pensar e existir.

Cabeça e coração novamente ligados,
segue amorfo o elefante do Drummond
tateando pelas paredes da consciência.

Ainda bem que o elefante é uma alegoria;
a tarde ocorre todos os dias e
a vida; esta é eterna.

Guilherme Dias
26/03/2011
18h29m

terça-feira, 1 de março de 2011

Quando Amei Demais

- Tem coisas que lemos que gostariamos de ter escrito, esta é uma delas; não conferi a veracidade ou autenticidade do autor, mas repasso como recebi. Boa leitura!

Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato.
E então, pude relaxar.
Hoje sei que isso tem nome... Auto-estima.
Quando me amei de verdade, pude perceber que minha angústia, meu sofrimento emocional, não passa de um sinal de que estou indo contra minhas verdades.
Hoje sei que isso é...Autenticidade.
Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente e comecei a ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento.
Hoje chamo isso de... Amadurecimento.
Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo tentar forçar alguma situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o momento ou a pessoa não está preparada, inclusive eu mesmo.
Hoje sei que o nome disso é... Respeito.
Quando me amei de verdade comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável... Pessoas, tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De início minha razão chamou essa atitude de egoísmo.
Hoje sei que se chama... Amor-próprio.
Quando me amei de verdade, deixei de temer o meu tempo livre e desisti de fazer grandes planos, abandonei os projetos megalômanos de futuro.
Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo.
Hoje sei que isso é... Simplicidade.
Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre ter razão e, com isso, errei muitas menos vezes.
Hoje descobri a... Humildade.
Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de preocupar com o futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida acontece.
Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é... Plenitude.
Quando me amei de verdade, percebi que minha mente pode me atormentar e me decepcionar. Mas quando a coloco a serviço do meu coração, ela se torna uma grande e valiosa aliada.
Tudo isso é... Saber viver!!!

Charles Chaplin

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Ária sombria

São oito horas da noite
Meu corpo clama por uma pausa
Mas minha mente reluta.
Insiste em manter-se excitada.

Há uma angústia não anunciada
Que persiste sem se revelar.
Trafega silenciosa em meu interior
E deixa demarcada sua trajetória.

A luz do quarto ao lado estala.
Queimada a lâmpada, joga na penunbra parte de mim.
Apoio incondicional ao novo estado de ânimo.
Bradada a queixa, resta ao corpo a substituição da ordem.

Súbito, um riso largo e debochado corta o silêncio.
Verga-se no cansaço uma lúgubre esperança.
Cínico, o ventríloco esboça uma explicação:
_ É a idade!?

Guilherme Dias
20/12/2009 - 20h50m

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Visão de um transeunte


No meio da multidão que passa sem se dar conta de sua rispidez e aspereza uns pelos outros, pude perceber alguém que não queria realmente ser percebida. No meio daqueles rostos e corpos, uma figura de mulher, próximo de cinqüenta anos, vestida de maneira simples mas bem colocada transita entre aquela massa.

Ia de cabeça baixa, circunspeta, mirando o chão de forma firme procurando não se perder em seus passos. Acompanhei-a por um longo tempo, singrando entre as pessoas que pareciam nem vê-la, quiçá importar-se com sua presença. Uns buscando o total anonimato, outros bradando suas vozes tão alto que parece carecer de que olhem em seus rostos e que os cuidem.

Perdi a senhora de vista. Mas logo encontrei outro personagem digno de nota. Em um bar daqueles pouco iluminados, de caráter meio duvidoso, pude destacar um homem, barba por fazer, cabelo meio desarranjado, dorso tenso e arqueado. Tinha um olhar tão distante que muito provavelmente nem mesmo ele saberia dizê-lo onde estaria naquele momento.

À sua frente, uma latinha de refrigerante já aberta. Próximo um copo meio cheio, a borda muito com certeza estava embaçada, efeito daqueles copos que são lavados naquela esponja especial para se lavar copos mais rápido, que existem nestes tipos de bares. Mas ele não parecia dar-se conta deste detalhe, continuava longe, alheio àquela multidão que transitava num ritmo alucinado e ansioso.

Sua dispersão foi interrompida por um corpo masculino alto, com várias sacolas, supostamente com presentes, que entrara abruptamente e sofregamente no mesmo bar. Dirigiu-se ao balcão e solicitou algo ao homem do outro lado. Não ousara deixar as bolsas e sacolas no chão ou na banqueta ao seu lado temendo não tê-las mais ao lado quando baixasse seus olhos. Medo e angústia de perder todas aquelas intenções que surgira nesta época.

Mas que chamava a atenção eram todas aquelas pessoas. Uma a uma, observava algo que insistia em seus olhares e atitudes, sem muito que explicar, apenas aquela sofreguidão, aquela mesma angústia do homem do bar colocado no balcão, o mesmo medo, a mesma intenção que se desperta, parece apenas nesta época do ano.

Não, não se trata de hipocrisia, apenas de uma possível fuga de si mesmo, uma tênue explicação para sua falta de tempo o ano todo, de não conseguir dizer o que sentia por aquelas mesmas pessoas que se lembrara. Faltara-lhe tempo para ser ele mesmo, para expressar sua vida em palavras e ações; em emoções que não precisam ser explicadas.

Assim seguia aquelas pessoas, sem se darem conta que estavam sendo filmadas pelas minhas retinas.

Agora era eu que me surpreendia pensando nisto tudo, e seqüência, fui tragado pela chegada daqueles que me acompanhavam, com a mesma intenção. Guardo tudo comigo, todos os meus pacotes de indagações, embrulhos de filosofia, sacolas de idéias e me junto a eles. Afinal, é natal.


Guilherme Dias
20/12/2009 - 22h35m

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A vida é uma brincadeira.

Pois é! A vida e uma brincadeira.
Cantiga de roda, bambolê, pega-pega, ajuda-ajuda, bilboquê, peão, pipa entre outras brincadeiras representam a vida tal qual ela se mostra: uma eterna brincadeira.

Quem dita as regras? Quem leva a bola se não for o escolhido? Isto deixo por conta da imaginação de cada um. Mas que se olharmos bem no fundo da proposta, a vida é e será sempre uma brincadeira.

Cantiga de roda, onde no fim o que queremos de fato não é o aperto de mão do passa anel e sim o selinho não comprometedor de nossas infâncias perdidas.

E como num bambolê giramos nossos quadris em busca do melhor ângulo para atingirmos o tal do ponto "G" se é que existe. Pois para mim ele é como o "buraco negro", o "big-bang", "Deus", só o saberemos se crê-los.

Quem não pegou-pegou na vida alguém ou alguma coisa. Somos via de regra irrequietos, insensatos, sofremos de hiperatividade, apenas quando os anos foram nos atropelando foi que perdemos nossa capacidade de sair em disparada, sem rumo, apenas driblando de forma moleca nosso adversário, isto sem antes falseá-lo com umas caretas e provocações.

Quem nunca ajudou ninguém, nem que fosse para tirar vantagem de alguma forma. Como Ele é perverso; nos mostra a vida brincando conosco.

Até hoje ainda tento acertar o jeito de encerrar aquela bolinha e seu buraco no pino e não sejam maliciosos, falo mesmo do bilboquê. Limpem as mentes, estou falando de brincadeiras, se bem que aquilo também é ludico.

Peão, quem já jogou peão? Até hoje ainda me pergunto quem deu aquela arma a uma criança para brincar? Acho que tudo começou com Golias; só pode, de lá para cá as coisas se transformaram e deu no peão. Pura conjectura.

Quem já não viu uma pipa no ar, com a linha em riste, solta no vento, dominada por toques suaves e as vezes viris. Todo o domínio da pipa na briga com o vento. (Não sei porque acho que vocês estão de novo maliciando), estou falando da pipa, papagaio, quadrado, arraia, seja o nome regional que a conheçam.

E é assim. Nascemos e Ele já tem com o que brincar. De maneira sibilina, somos os marionetes num grande palco, onde quando há a vontade, somos manipulados e nos tornamos personagens de um grande script que são nossas vidas.

Feliz dia das crianças para vocês!

Guilherme Dias
19/02/2011 - 00h02m

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Lágrima Insistente

A lágrima insistia em descer...
A garganta embotada e embargada denunciava o momento.
Nada parecia estar no lugar e
Sentidos e sensações se misturavam.

Um ínfimo e delicado sentimento se moldava
Num quadro cheio de matizes e cores.
Ora intenso, ora lúgrube.
Nem forte, nem ímpio.

Todas as mordaças estavam sendo apontadas
Todas as máscaras se colocavam a disposição
Todas as estradas se abriam
Todos os caminhos estavam disponíveis

Mas a insistente lágrima permanecia
Não respeitava a razão
Não esperava nem tolerava,
Forçava passagem pelo inóspito e sombrio do ser que pulsava!

Não poderia ser diferente.
O que não podia ser suspenso
Teria que fluir tal qual rio, denso e obscuro.
E assim, a inspiração deixou-a sair.

Brotou em forma de liz
em raiz de ébano
em ramos de ilusão e fantasia.
Se fez presente e ali permaneceu.

Deixou-se ficar em paz
Num cansaço feliz e cálido.
E assim, o embargo desapareceu e ficou apenas
Eu.


Jundiai, 10 de julho de 2010.

Guilherme Dias

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Eremita


Joguei a toalha. Nesta luta parece que perdi. Há uma sofreguidão persecutória em torno de minha existência. Aquilo que parece estar em harmonia, trafega em uma avenida cheia de idéias interminadas, de sonhos não realizados e projetos deixados pela metade.

No meio de uma multidão de pensamentos, os meus se misturam, se dispersam, tornan-se tênues e sem expressão. Assim é minha atitude eremita. No meio do tudo, o nada.

Os olhos deste eremita mira tudo aquilo que deseja, almeja. Mas ao redor dele, nada permanece. Se distancia na medida que se aproxima; se afasta, no momento que deseja o toque. Assim é este eremita. Solitário, sim solitário, não em solidão.

A solidão é um estado de ser, sentir-se só no meio de todos, condição que não ostenta este eremita. Prefere ser solitário, conviver com seu estado de ser, sua forma de permanecer no mundo.

A marca que rege sua trajetória é a visita ao seu interior. Sempre disposto a ver aquilo que ninguem consegue e nem conseguiria ver. Todos os caminhos que ninguem conseguiria passar, todas as imagens que cegariam os mais crédulos e os incrédulos também.

Ali, detido em sua imaginação, contém o sopro de sua vida. Quieto, silencioso em sua estadia diária, envolvido nos arcanos formadores de sua mensagem, verte-se num arcabouço de pura inspiração; deleite próprio de alguém que não tem ninguém, não está presente em nenhum lugar em especial. É aparentemente livre, só aparentemente.

Assim é a vida do eremita. Seu lugar de moradia é em qualquer lugar, mas o mais preferido dele é aquele que ninguém tem acesso: seu interior. Sua casa mais bem protegida, ensaio de um bunker militar.

Não há lugar onde o eremita possa permanecer, porém pode ser aqui, lá ou em qualquer lugar onde não haja ninguém, não haja imagens de ninguém, não haja pensamentos de ninguém, não haja vestígios de intenções, não haja idéias pré-concebidas, não haja outro eremita com os mesmos problemas.

Eremita que sou, permaneço sem estar ai ou aqui. Apenas naquele lugar em que voces não podem ir, nem se desejarem. Meu espaço de confinamento só a mim pertence. Eremita que sou, permaneço dentro de meu próprio eu, recoberto de reminiscências que despertarei em doses pequenas  enquanto sorvo a liberdade de ser o que sou: eremita.

29/12/2009 – 22h36m

Guilherme Dias

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Diálogos

Abre-se a cortina! Palco e personagens se misturam.

Cena aberta, os olhos procuram todos os detalhes, todas as minúcias

Quando expressar o que vem à mente? Quando soltar o suspiro derradeiro fruto da cena marcada pelo impacto? Quando verter em lágrimas estimulado pelo fulgor e furor da emoção devastadora?

Quando deixar o vício de achar que já conhecemos a próxima fala? Quando não deixar o controle de lado e apenas ver?

No palco a peça desdita sem se importar com seu olhar, continua seu desenredo, alheia às suas indagações. É sempre assim, invisíveis que somos em relação ao roteiro que insiste em ter-nos como coadjuvantes.

O desenrolar do texto marcado tal como deveria de ser no caso em questão permanece como deveria de ser. Cada ator e atriz com sua fala, audível e bem pronunciada emanam sua expressão em nossa direção. E nosso olhar continua preso ao quadro formado pelas matizes desconexas ainda para nós. Assim é como a vida, até o cair do pano, é impossível compreender a idéia do autor.

E nisto um diálogo surdo aponta em nossa mente. Como somos curiosos; não podemos deixar simplesmente o drama acabar? Ou será uma comédia? Que importa? Deveríamos apenas assistir disciplinadamente o desfecho, mas não, somos como o ser da caverna do mito de Platão.

Mas toda a peça tem um inicio, um meio e um fim e antes mesmo que o diálogo tomasse proporções nabadescas, a cortina caiu. Ato contínuo, aparece no palco os atores e atrizes curvando-se em agradecimento à ovação e eu quase autômato, levanto-me como todos e mesmo sem saber bem o porque, bato palma freneticamente. Cai o pano!

Guilherme Dias
12 de fevereiro de 2011.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Olhares

Sempre que olho em seus olhos
Vejo uma enorme vontade de ser feliz.

Sempre que o ouço, por traz de suas palavras,
Ouço o som da vida.

Sempre que sinto seu toque
Aprecio o aveludado da mão do criador.

Como você é maravilhoso e belo
Pena que ainda duvides.

Há uma estrada maravilhosa a sua frente.
Resta-lhe iniciar sua jornada e chegar ao final dela: ao Pai.

Eymael (11/02/2011)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Reminiscências


 Andei, a passos largos, porque tinha pressa. De que ainda não lembro. Lembranças deixam marcas indeléveis em nossas vidas, e pouco gosto de tê-las. Esqueci de como se faz isto. Mas, enfim, andei, dito já, a passos largos, porque tinha pressa. De que ainda não me lembro. Não insistam.

Só sei que por onde passei, a passos largos, diga-se de passagem. Vi muito, vivi muito, experimentei muito, sorvi muito, troquei muito. Tão intensa e vividamente quanto podia ser isto em uma pessoa.

Ali naqueles meus cinco anos, em lugar pouco enveredado, jardineiras passando – adorava ver as jardineiras – caminhava ao lado de meus irmãos, não tão mais velhos em direção do sítio que meu pai cuidava, e como cuidava. Dava o sangue por aquele lugar que nem era seu, foi assim que aprendi a cuidar do que nunca foi meu, vendo aquele homem com mãos firmes e fortes, calejadas cuidar do que não era seu. Mas com tanto afinco de que como fosse. É assim que se aprende as coisas, vendo, vivendo, vivenciando a história de outros.

Enfim, a passos largos, seguia com meus irmãos em direção aquele sítio que meu pai cuidava como se fosse seu. Já era meio tarde, talvez fosse inverno, porque a medida que andavámos a passsos largos, rapidamente escurecia naquela estrada por onde passavam as jardineiras.

Vale dizer e não posso afirmar isto, pois já dito acima, tinha cinco anos apenas, muitas eram as histórias de colocar medo nos meninos do interior e eu era um menino do interior naquela época, e isto era assustador para qualquer menino do interior como eu. E não sei porque e é sempre nestas horas que nossa memória começa a nos pregar peças comecei a lembrar destas histórias.

A passos largos, ainda mais largos ainda, pois acredito que meus irmãos também começaram a lembrar das mesmas histórias, iamos em direção ao sitio que meu pai cuidava como se fosse dele. Não se pode imaginar como a imaginação de uma criança é infinitamente perniciosa nestes momentos. Na penunbra que brota com o cair da tarde, galhos se tornam chifres (até hoje, não sei de que exatamente), pedras se tornam animais se arrastando, pedaços de árvores caídos se tornam animais saindo das matas a volta da estrada e assim por diante.

Acho que a imaginação dos mais adultos também acompanham a das crianças, pois o que era a passos largos nossa caminhada, já parecia mais uma pequena marcha atlética sem nenhuma regra. Pequeno que era, me sentia quase que arrastado por eles. Ah, como a imaginação é perversa!

Para completar nosso crescente pavor vespertino, pouco antes de chegar a entrada do sitio que meu pai cuidava como se fosse dele, havia uma curva acentuada. A tarde já se confundia com a noite nesta altura de nossa caminhada a passos acelerados. De repente, um sobressalto tomou conta de um de meus irmãos. Estaqueou como um daqueles caibros de peroba fincados no chão a força de bate-estaca mecânica. Juntos, paramos eu e meu outro irmão.

Não precisa dizer que neste momento, já não sentia minhas pernas, minhas mãos e meu coração, e naquela época nem sabia que ele existia e pra que, já nem batia mais, tocava uma bateria de escola de samba inteira. A boca, parecia estar sem receber um só gole de água a semanas. Por que ele parara tão bruscamente? Nem imaginava, mas nem perguntei, o pavor era tanto que achava sinceramente que se abrisse a boca, algo, sei lá, algo, iria acontecer. Que imaginação!

Tudo isto deve ter durado uns trinta segundos. Para mim, foi algo próximo de duas horas esta freada brusca, tamanha era a minha ansiedade, minha expectativa, meu tormento naquele momento. Passada esta  angústia ele finalmente perguntou se nós viamos o que tinha a nossa frente.

Eu não via nada, não queria ver nada, eles que eram mais velhos que vissem, fosse lá o que fosse para ser visto. Por isto temos irmãos mais velhos para verem estas “coisas”. Mas ele insistia na pergunta, a qual foi respondida pelo outro com um sei lá, ver o que, o que tem? Hoje olhando para tráz avalio o quanto nós somos traídos por nossa vontade de ver o que queremos ver nos momentos mais terríveis de nossas vidas.

Assim foi naquele dia, naquela hora. Nestes poucos segundos, e nisto a natureza é perspicaz e arguta como só ela consegue ser, escureceu totalmente. Imaginem, a quarenta e três anos atráz, numa cidadezinha do interior, indo a um sitio que meu pai cuidava como se fosse dele, numa estrada de terra, cercada por mata dos dois lados, onde passavam as jardineiras. Não deu para imaginar?! Pois é não dava para imaginar. Mas nós conseguimos imaginar.

Meu irmão ameaçou voltar, o outro mais novo um pouco, mas nem tanto, ficou em duvida e eu. Eu?! Que tinha eu, só tinha cinco anos, o que eles fizessem, eu aceitaria, é para que isto que temos irmãos mais velhos, certo? Não via nada, só não sentia minhas pernas, minhas mãos e meu coração já nem batia, acho eu, fora a minha boca que parecia ter a pura sensação de ter sido acometida de uns três meses de dose máxima de carbamazepina, tal a secura que ela demonstrava.

Nisto, sentido contrário a nossa trajetória veio um carro, faróis acesos, iluminou por um breve instante o que estava a nossa frente. Nisto meu irmão começou a rir, mas com tanta intensidade que pensei que ele estava tendo um ataque de qualquer coisa. E entre suas gargalhadas dizia algo que nos era totalmente ininteligível. Mas como o riso contagia, e a adrenalina da ansiedade e do pavor é a mesma do destempero da felicidade e alegria, em poucos segundos, estavámos os três rindo despudoradamente.

Após pararmos, ele se vira e diz para seguirmos em frente, era apenas um tronco na curva que dava a entrada da porta do sitio que meu pai cuidava como se fosse dele e não um boi como ele achara desde o começo. Boi? Que boi? Não era um monstro que nos paralisara? Um boi? Ora, isto era inadimissível para mim que tinha cinco anos. Como alguém poderia ter medo de um boi parado na estrada de uma cidadezinha do interior, numa estrada de terra, onde passavam jardineiras, cercada de mata dos dois lados e escura como breu.

Só nós, nossa imaginação e esta situação para gerar tanto pavor. Mas é sempre assim, em situações de nossa vida, qualquer tronco de árvore colocada em uma curva, num dia escuro e tenebroso, em uma cidadezinha do interior, numa estrada cercada de mata dos dois lados pode se tornar um enorme animal que invade nosso imaginário e nos força sermos crianças de novo.

Afinal são apenas reminiscências.

29/12/2009 – 23h21m

Guilherme Dias

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Reminiscências - prólogo

Vista cansada, passo torpe, boca seca, certeza do tempo avassalador tomando conta do preâmbulo do fim.
Não se trata de morbidez ou mesmo de traço de queda e devaneio depressivo e sim de constatação.
Assim é nosso aliado, o tempo, que nos coloca sempre de frente com o inevitável.

Quando menos esperamos, lá está ele parado, dinâmico diante de nosso desespero. Implacável e dilacerante, retira toda a possibilidade de defesa. Não há ação que o impeça de fazer sua missão em nossas parcas passagens pela orbe terrestre.

Se formos ler de forma estrita suas marcas e seus símbolos o que veremos será a nós mesmos em cada atmo de sua nudez absoluta e se pudéssemos dizê-lo, estáticos diante de sua sagaz e quimérica atuação.

Assim será a trajetória deste espaço de auto descrição. Sem subjugar o verbo, tecerei algumas das inúmeras reminiscências de minha trajetória e isto se conseguir, se dará entre poesias, prosas e algumas digressões mais elaboradas de meu entendimento (se posso permitir dizer isto?) do arcabouço e do envoltório da psiquê humana.

Guilherme Dias
09 de fevereiro de 2011